“Cadê os orixás?”: Gilberto Gil exige retratação de padre paraibano por fala ofensiva sobre Preta Gil

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Notificação extrajudicial cobra desculpas públicas e ação disciplinar da Igreja após declaração considerada intolerante durante missa transmitida ao vivo

Um comentário feito durante uma homilia em Areial, no Agreste da Paraíba, provocou reação imediata da família de Preta Gil e reacendeu o debate sobre intolerância religiosa no Brasil. O cantor e ex-ministro Gilberto Gil, ao lado da empresária Flora Gil, notificou extrajudicialmente o padre Danilo César de Sousa Bezerra e a Diocese de Campina Grande nesta quinta-feira (14), exigindo retratação pública por falas consideradas ofensivas às religiões de matriz africana e desrespeitosas à memória da filha do casal, falecida recentemente.

O episódio ocorreu em 27 de julho, durante a celebração do 17º Domingo do Tempo Comum. Na ocasião, o sacerdote questionou, com tom irônico, o poder dos orixás em meio à dor da perda. “Gilberto Gil fez uma oração aos orixás, cadê esses orixás que não ressuscitaram Preta Gil? Já enterraram?”, disse o padre, numa fala transmitida ao vivo pelo canal da paróquia no YouTube — vídeo que já foi retirado do ar.

Segundo a notificação, confirmada pela equipe jurídica de Gil, o padre deve se retratar formalmente, utilizando o mesmo meio em que a declaração foi feita. A Diocese tem um prazo de dez dias úteis para tomar medidas disciplinares internas. A ausência de manifestação até o momento reforça, segundo a família, a gravidade da situação e a necessidade de responsabilização.

A repercussão foi imediata. Três boletins de ocorrência por intolerância religiosa foram registrados na Polícia Civil, que instaurou inquérito para apurar o caso. A delegada Socorro Silva já começou a ouvir testemunhas, e o padre será convocado a prestar depoimento nos próximos dias. A investigação tem prazo inicial de 30 dias, prorrogável.

Para o presidente da Associação Cultural de Umbanda, Candomblé e Jurema Mãe Anália Maria, Rafael Generiano, a fala do sacerdote foi mais do que infeliz — foi um ataque direto à liberdade de culto: “Foi uma tentativa de deslegitimar práticas religiosas tradicionais e feriu não só a memória de Preta, mas toda uma comunidade de fé”.

Em nota enviada à imprensa, a Diocese de Campina Grande informou que o padre Danilo irá prestar todos os esclarecimentos aos órgãos competentes. Nenhuma retratação foi emitida até o fechamento desta reportagem.

A notificação da família Gil reforça que o episódio pode configurar crime de intolerância religiosa, previsto no Código Penal, com pena de dois a cinco anos de reclusão. Mais que um ato de fé, a manifestação do sacerdote é apontada como um uso do púlpito para disseminar preconceito — o que agrava a responsabilidade da Igreja em se posicionar.

A ausência de retratação oficial até agora levanta uma pergunta incômoda: o que acontece quando a intolerância parte de dentro de um espaço sagrado? O caso expõe não apenas o desafio de proteger a liberdade religiosa no Brasil, mas também o papel das instituições religiosas em combater discursos discriminatórios proferidos por seus próprios membros.

A atitude da família Gil é, ao mesmo tempo, uma cobrança e um marco simbólico contra a naturalização da intolerância religiosa. Num país onde o sincretismo é constitutivo da cultura, silenciar diante da ofensa pode ser, também, uma forma de conivência.

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